Lúcia Helena

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Reportagem

Câncer de mama: estudo reforça que a poluição do ar aumenta risco da doença

O "rosa" deste outubro ganhou nuances acinzentadas. Principalmente de uns meses para cá, paira no ar uma nuvem de suspeita, cada vez mais espessa, de que a sujeira que respiramos é capaz de aumentar o risco de uma mulher desenvolver o câncer de mama.

Embora não faltem poluentes na atmosfera, é um tipo específico que está por trás das acusações: as partículas finas de material sólido ou até mesmo líquido. Com no máximo 2,5 milionésimos de metro de largura, e olhe lá, elas não só costumam tornar o céu mais turvo como, uma vez inaladas, são capazes de ir fundo nos pulmões e, dali — eis a hipótese para explicar o fenômeno —, irem parar na corrente sanguínea.

O último estudo a apontar nessa direção foi apresentado nesta semana durante o congresso da ESMO (European Society for Medical Oncology), que terminou anteontem, em Madri, na Espanha.

No evento, a professora Béatrice Fervers, chefe do Departamento de Ambiente e Prevenção do Câncer do Centre Léon Bérard — hospital de Lyon que é referência em pesquisa e tratamento oncológico na França —, apresentou os resultados de uma pesquisa que concluiu o seguinte: a mulher que passa o dia a dia em ambientes com mais de 10 microgramas dessas partículas finas por metro cúbico de ar corre um risco 28% maior de ter um tumor maligno de mama do que aquela que vive em locais com metade dessa concentração na atmosfera ou até menos.

"De modo geral, essa é a diferença que encontramos, na Europa, quando comparamos o ar dos centros urbanos com o das zonas rurais", disse a oncologista francesa, para termos uma ideia.

Imaginem, então, as pobres mulheres de Manaus, cidade que, de acordo com o Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental), desenvolvido na Universidade do Estado do Amazonas, registrou neste Outubro Rosa 160 microgramas de material particulado fino por metro cúbico de ar, por causa das queimadas na região em um período de estiagem, com menos chuva e menos vento. Isso é dezesseis vezes mais que o limite delineado pelos cientistas de Lyon.

Como foi o estudo francês

Quem me chamou a atenção para o trabalho apresentado no ESMO 2023 foi a médica Solange Moraes Sanches, coordenadora da equipe de oncologia clínica do Centro de Referência de Tumores de Mama do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.

Ela ainda estava em Madri, participando do congresso, quando eu lhe perguntei o que tinha despertado a sua curiosidade na programação. E, então, me apontou esse estudo. "Já está muito bem estabelecido para tumores de pulmão que a poluição é carcinogênica", me disse ela, que fez questão de lembrar da investigação do professor Paulo Saldiva, na Universidade de São Paulo, mostrando que os poluentes inalados podem ser o estopim da doença em não fumantes.

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No câncer de mama, porém, essa possível associação veio à tona muito mais recentemente. "Além disso, como a própria Béatrice Fervers contou, a maioria dos trabalhos relacionando a poluição ao câncer analisa como está o ar em um determinando momento, enquanto o estudo dela fez esse acompanhamento ao longo de um bom tempo."

Os franceses fizeram mais do que isso. Eles não olharam só para os registros de qualidade do ar durante boa parte desse período, em uma área de 50 metros quadrados onde estava o lugar em que essas mulheres trabalhavam, como também checaram a concentração de poluentes na área de 50 metros quadrados onde ficava o seu endereço residencial. Ora, a maioria dos estudos anteriores sobre poluição e risco de doenças examinou a situação em um só canto — em casa ou na firma, por exemplo.

Detalhistas, os cientistas ainda levaram em conta quantas horas, em média, as mulheres passaram em um lugar e em outro para, então, calcularem o quanto tinham ficado expostas à poluição até o final do dia.

Aliás, cá entre nós, esse foi o detalhe que intrigou a doutora Solange Sanches: "As francesas do estudo passaram, em média, 20% do tempo no trabalho e o restante, em casa. No Brasil, suspeito que seria bem diferente!", brinca. Mas a idade das participantes pode ter contribuído para a carga horária de trabalho menor.

Béatrice Fervers e seus colegas se debruçaram sobre um banco de dados iniciado em 1990, com informações de saúde de nada menos do que 98.995 mulheres que, naquela época, já tinham entre 40 e 65 anos de idade. Elas foram acompanhadas por mais de duas décadas. Onde quero chegar: talvez muitas tenham se aposentado no meio do caminho até 2011. O fato é que, nesses 22 anos, 2.419 delas foram diagnosticadas com câncer de mama.

Os cientistas fizeram aquele cálculo da exposição a poluentes só nesse grupo que adoeceu e em outro, de mais 2.984 mulheres, sorteadas entre o restante das participantes que não teve o tumor mamário. Elas formaram o que, em ciência, é chamado de grupo controle.

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Afinal, se quem apresentou câncer de mama e quem não apresentou esse tumor tivessem tragado mais ou menos a mesma quantidade de partículas finas, a tese de que o ar sujo teria a ver com a doença iria para o brejo. Mas não foi o que aconteceu. Realmente, um ar mais limpo parece ter feito diferença.

Para saber disso, os pesquisadores levantaram, nos dois grupos de mulheres, respostas sobre a condição social, o estilo de vida, se havia casos de câncer de mama na família, se tinham filhos ou não... "Eles tentaram entender os fatores que poderiam estar mais relacionados ao diagnóstico", explica a doutora Solange. Depois, tomaram o cuidado de comparar mulheres em situação semelhante — e, muitas vezes, a maior diferença entre elas era mesmo a poluição que inalaram.

Partículas finas na berlinda

Os franceses não checaram só o material particulado fino, também conhecido como PM 2,5, que fica suspenso no ar quando, por exemplo, há queima de madeira, combustível fóssil e carvão ou quando ocorrem desastres naturais ou, ainda, quando explodem bombas, como as que apertam o peito de todo mundo agora.

"Eles também investigaram as concentrações na atmosfera de partículas maiores e de óxido nitroso, mas não encontraram uma associação significativa com o câncer de mama", conta Solange Sanches.

Outros estudos — e todos recentes — também apontam o dedo em riste só para as partículas finas, ao menos no que diz respeito ao câncer de mama.

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Em setembro mesmo, mês passado, cientistas americanos do NIEHS (National Institute of Environmental Health Sciences) e do NCI (National Cancer Institute) publicaram um artigo em que cruzaram dados sobre a concentração do tal PM 2,5 e de novos casos de tumores mamários, entre 500 mil participantes com idade média de 62 anos. O que notaram foi uma incidência de câncer de mama 8% maior em áreas com níveis mais elevados de material particulado fino de seis estados de seu país.

Esse trabalho deu, aparentemente, um passo além: os pesquisadores perceberam que a associação entre poluição e câncer de mama pode variar conforme o tipo de tumor, sendo mais forte naqueles com receptores do hormônio estrogênio. Mas, cuidado, porque ainda é cedo para bater esse martelo. Falta um bocado para descobrir como, exatamente, as partículas finas de poluentes agiriam nas glândulas mamárias.

"Mas, sem dúvida, bons hábitos e um ambiente saudável fazem diferença", observa a doutora Solange Sanches. O que implica, claro, em respirar um ar mais puro — e para isso, meninas, é preciso colocar a causa da saúde planetária no peito.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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